quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os sorrisos que não vemos

O relógio bate 7 horas, o orvalho ainda um pouco frio da manhã marca a paisagem, na calçada as folhas balançam, titubeando ao sabor do vento, na rua os carros passando como insetos suspirando seu ar de blasé matinal. Mas não há tempo para essas pequenas sutilezas da vida, transbordada de significados por despertar, e logo a pressa toma conta. A mochila nas costas, poucas horas de sono e meia dúzia de pensamentos tilintando na cabeça. A passos ligeiramente rápidos o, quase que já desenhado trajeto, fora sendo percorrido e na saída do portão uma rápida parada para conferir a caixa de correio do prédio, mais uma dentre as tantas sutilezas que nos passam despercebidas. Como era de se esperar a caixa estava cheia destes documentos de natureza, no mínimo, curiosa, as cartas. Contas de cartão de crédito, de luz, água, telefone, de assinaturas de jornais e revistas e até mesmo de colégios (sim até para adquirir cultura e educação temos que pagar!). Isso tudo sem mencionar as infindáveis propagandas que vão desde o mais concreto produto ofertado, como carros e roupas, até os mais absurdos sonhos e promessas de felicidade que, é claro, não poderiam ser de graça. Por algum momento e em alguma medida toda essa papelada se converte neste singelo objeto, a carta... Mas, novamente não há tempo para refletir sobre essas sutilezas e a vida segue todos os dias, o mesmo e viciante ciclo de ir e vir passando sempre pelo portão de casa rumo aos mais diversos e repetidos destinos.
Eis a rotina, um assunto que todos sabem de sobra mas que, paradoxalmente, por causa dela mesma sequer podem refletir sobre isso. E mesmo quando tentam se aventurar por reflexões e até previsões acerca do que pode mudar no dia a dia as pessoas se esquecem de algumas (importantíssimas) sutilezas. Diante disso é que cabe refletir aqui sobre um evento que permeou desde os pensamentos mais racionais até as emoções mais impensáveis: as eleições. Por meses a população discutiu sobre políticas públicas, estado, impostos, moralismos, esquerdismos e direitismos, para não mencionar o trio saúde, educação e salário mínimo. Muito se falou e muito se fez em prol de determinados projetos políticos. Parecia até que, de fato, a rotina viria a ser alvo de reflexões para, quem sabe, a sociedade conseguir progredir, conseguir traçar sua felicidade e satisfação com a mesma facilidade com que as pessoas traçam suas rotas diárias. Mas, infelizmente, ficamos somente no “parecia”, e logo as discussões foram tomando o rumo da ignorância literalmente traduzida na perseguição gratuita e cega das famosas “polêmicas”, como se em política mocinho e bandido fossem características simplesmente aplicáveis ao bel prazer das campanhas eleitorais. A tão aclamada internet com todo seu potencial libertário serviu apenas para mostrar que uma tecnologia, por mais inovadora e transformadora do convívio social que seja, não é por si só suficiente para transformar a política. Por vezes ela ainda acaba refém de atrocidades intelectuais sem precedentes: Já não se trata mais de mentiras e persuasão em prol de um ou outro candidato, o que está em jogo são construções grotescas que sequer beiram a realidade e circulam como verdadeiras pragas com a incrível prerrogativa de semear ignorância, preconceitos e ressuscitar fantasmas ideológicos que a razão já fez questão de sepultar.
Enquanto a população, imatura para conseguir discutir e explorar as reais possibilidades da internet, se afundava em discussões moralistas e religiosas os rumos da disputa eleitoral eram traçados. Com isso a sociedade quase que se polarizou, exaltando ânimos como se uma verdadeira revolução estivesse em jogo e uma das opções representasse o atraso e a outra o progresso. Pra variar alguns pequenos detalhes foram deixados de lado...eis novamente a rotina e sua incrível capacidade de tornar as pessoas míopes.  Ora, voltemos então às cartas: Dia vai dia vem e lá estão elas, todo mês sempre marcando presença nas caixas de correio, as vezes até são entregues dentro de casa onde acabam ficando guardadas nas gavetas ou mesmo encima de móveis nos esperando com seu sorriso sarcástico.
De fato não lhes faltam motivos para sorrir. Afinal de contas enquanto as pessoas se preocupavam em discutir em quem votar, em quais os projetos (fisiológicos) de governo confiar, para quem divulgar seu apoio incansavelmente, as cartas continuavam chegando com suas cobranças, indiferentes a toda essa disputa. Ora, bancos, empresas de telefonia, de televisão a cabo, de internet, grandes jornais e revistas além dos inúmeros boletos e parcelas dos tão exaltados crediários, todos tinham motivos de sobra para comemorar as eleições, independente de qual projeto político fosse vitorioso. Basta se perguntar, caro leitor, quantos destes bancos “feitos para você”, financiam as milionárias campanhas políticas e, certamente, recebem isso em troca. Quantos jornais e grandes empresas de comunicação (as mesmas que decidem o valor e a programação da “sua” TV por assinatura, da “sua” internet e do “seu” telefone) não têm como “amigos políticos” de seus donos os mais diversos candidatos e membros das famosas coligações. 
Já se passaram quase dois meses e praticamente nada mudou nas rotinas: o mesmo vai e vem, a mesma falta de segurança pública, de saúde, de educação, o mesmo mínimo, também chamado de salário... E as cartas continuam lá, em sua prontidão esperando a inexorável sina dos meros mortais a pagar suas contas, juros, taxas, inflações e porcentagens. Toda uma infinidade de valores para relembrar o verdadeiro sentido que a vida adquiriu para aqueles que fazem de sua carne e osso um produto vendido sempre à vista e com desconto. E para os próximos 4, 8, 12 anos, o que esperar? Nada muito diferente do que já foi mencionado. Enquanto isso lucros e cifras exorbitantes dos bancos, grandes lojas, empresas de telecomunicações e todos os demais “correspondentes” continuam lá em seus patamares estratosféricos trazendo aos mortais aqui de baixo suas sorridentes cartas. Aos políticos (eleitos e não eleitos, situação e oposição) cabe apenas o papel que sempre exerceram impecavelmente bem: cuidar de seus “amigos correspondentes”...
 Mas enfim, de que adianta perder tempo com tantas divagações? Já é dada a hora,de trabalhar, a  rotina chama e não pode parar, não há tempo a perder com cartas, estes pequenos detalhes do cotidiano. Lá fora na rua os carros continuam a passar, e de dentro do prédio a caixa do correio, obrigada a fazer parte de tudo isso, guarda as cartas. Em meio ao barulho das árvores e a correria do cotidiano dorme a esperança de um dia roubar-lhes o sorriso. Até lá resta ao escritor aguardar (em vão) seu candidato aparecer nem que seja só para dar uma desculpa, dessas que eles sabem muito bem inventar.

domingo, 26 de setembro de 2010

Pensamentos de uma segunda-feira incomum (parte 2)



Na mesma velocidade que chegara o alívio dela o pronto-socorro parecia estar diminuindo, tamanho o número de pessoas que buscavam por atendimento. Naquele momento pude perceber uma das cenas mais marcantes de minha vida: Frente ao verdadeiro caos que parecia se instaurar as pouco mais de meia-dúzia de enfermeiras mantinham uma calma e educação que nem o mais compenetrado monge budista conseguiria. Pouco espaço, poucos médicos, poucos enfermeiros, enfim a pouca importância dada a saúde pública rapidamente ia se revelando, nada que tirasse do sério os concentrados profissionais da saúde. “Pois não senhora”; “Você pode assentar aqui, por favor?”; “Você pode vir aqui para a medicação, por favor?”; “Só um minuto, por favor, que ela já vai te atender”. Eram as palavras de quem tinha que escutar reclamações, choro, pacientes que falavam demais, outros que mal tinham condição de falar, ou mesmo se mover: “Isso é um absurdo, eu pago o salário de vocês!” reclamava um acompanhante que, desde a madrugada, aguardava o atendimento de seu parente. “Nós pagamos a vida toda, e é isso que o estado nos dá?” reclamava um paciente. Em meio a essa batalha para trazer ordem à entropia vejo a enfermeira que nos ajudou indo embora, provavelmente esteve lá durante toda a noite o que tornava seu cansaço evidente. A única coisa que me coube dizê-la foi um singelo “muito obrigado” ao ver aquela simpática figura caminhando para seu merecido descanso fora do hospital, sequer recordo seu nome, mas certamente jamais esquecerei aquela silhueta, tão pequena para um coração tão grande.
A manhã passava e nossa jornada pelo hospital continuava a todo ritmo, bolsas, pedidos de exames, bolsa de soro e até tanque de oxigênio (ela teve que ficar no oxigênio para se recuperar) eu carregava. Alguns exames ainda tinham que ser feitos para que retornássemos ao médico (àquela hora já era outro que estava atendendo) para conseguir a liberação. O resultado do exame de sangue demoraria 2 horas, por isso fomos levados para a sala de espera, onde os pacientes aguardavam para ter o retorno com o médico, enquanto ainda estavam sob alguma medicação (no caso dela o oxigênio). Pensava eu que a situação já estava encaminhada, sendo apenas uma questão de tempo para tudo se resolver, mas mal sabia que o momento mais intenso daquela manhã estava por vir...
Toca o celular, é minha avó, que passava a semana lá em casa nos visitando e, até o momento não sabia ao certo o que tinha acontecido, apenas desconfiava de algo estranho. Não consegui despistá-la e logo passei para minha mãe que, àquela altura se preocupava com a saúde da outra, também vítima de hipertensão e que perdera o marido pelo mesmo problema. Caçula de 3 irmãos minha mãe estava com a mesma idade do meu avô quando este faleceu, motivo que apenas deixava mais apreensiva a mãe dela. A partir de então os telefonemas foram sendo feitos, logo diversos parentes foram contatados para dar apoio à senhora que agora aguardava ansiosa pela melhora da filha em casa. A certa altura, em meio a tantos telefonemas, minha mãe começa a chorar, a princípio não entendi muito bem o porquê, mas quando lhe perguntei o motivo sua fala me fez entender tudo: “É muito ruim ficar dando trabalho para os outros assim”.
 Lá estava ela, minha mãe, invertendo o papel que a natureza lhe havia dado, sendo cuidada pelo filho que, sem reação diante de seu choro, pegava-lhe a mão tentando de todo jeito acalmá-la. O ser mais doce que já havia conhecido agora estava lá chorando diante de sua impotência de ter se tornado “um peso” para o filho e para todos os outros que agora procuravam, ainda que à distancia, ajudá-la. Naquele momento meus mais de 1,80 metro eram insignificantes diante da sensação de ser aquele pequeno garoto a quem ela criara com toda atenção e carinho e que agora, claramente ansioso, tentava lhe tranqüilizar como que sem alternativas para lhe compensar tamanha dedicação.
Pouco tempo depois desse momento, passado as emoções mais fortes, uma cena única me fez refletir sobre um pouco de tudo que se ocorrera ali naquela manhã. A médica estava prescrevendo uma receita quando o telefone toca e logo ela ironizando fala a uma enfermeira: “O fulana quer falar com o XXX?”. Era uma daquelas campanhas políticas por telefone que não poderia ter surgido num local mais marcante como aquele, um hospital dos servidores do estado. Muito fácil para os políticos, em época de campanha, transformar a “festa da democracia” num verdadeiro teatro, em que atores, atrizes, cantores e profissionais de marketing fazem de tudo (por dinheiro, provavelmente até mais do que se gasta com a saúde dos servidores) para pedir voto.
Enquanto nos bombardeiam com suas frases de efeito, críticas a oposição- talvez a única coisa de interessante na eleição, quando não há exageros e distorções- e toneladas de propostas vazias, a realidade se mostra mais dura. Fiquei a me perguntar para onde vão os parentes destes políticos quando, assim como minha mãe (e as centenas de doentes) passam mal? Como é tranqüilo, por trás de maquiagens, discursos prontos e cenários armados, falar de investimento social, do melhor para o “povo”, do que o estado (ou o país) precisa, enquanto a população vara a madrugada em busca de um direito humano que, no mínimo, deveria ser universal em sua abrangência e qualidade.
Na propaganda eleitoral da TV se veem atores e cantores que, sem contribuir em nada para a sociedade, cantam sobre emoções, esperanças e sonhos, como se entoassem um hino. Incrível perceber como que tamanha hipocrisia rende melodias, tão exuberantes, mas que dizem de um interesses não tão exuberantes assim, mais preocupados com cifrões de uma meia dúzia de poderosos com seus sorrisos falsos a apodrecer no poder. Diante deste turbilhão de pensamentos em minha cabeça algumas perguntas surgiam insistentemente: Quem iria pagar por tudo aquilo? Pela paciência sobre-humana do senhor que, mal conseguindo andar, veio do interior para ser atendido? Pelas péssimas condições de trabalho das enfermeiras que, não fosse o amor pela vida humana não teriam condições de atender as centenas de pacientes todos os dias num local que mal cabem dezenas? Quem iria pagar caso minha mãe não tivesse um acompanhante a seu dispor para correr atrás de atendimento urgente, dos remédios, da burocracia e mesmo da água que ela tanto precisou? Para quem vai a “conta” no fim de tudo isso? Será que aqueles músicos/atores estão dispostos a pagar?
Tamanhas indagações apenas refletiam minhas sensações de raiva, ansiedade, medo e até um pouco de alívio (afinal minha mãe estava melhorando). O tempo foi passando e meus ânimos foram (quase) se acalmando. O resultado do exame de sangue havia saído, junto com outros exames que minha mãe havia feito. Esperamos pelo atendimento da médica -já era meio-dia e só havia uma médica para liberar os pacientes que aguardavam para sair do hospital- para que pudéssemos sair logo daquele angustiante lugar. Felizmente os resultados não apontaram nada de muito grave, era uma questão de mudar a medicação para a hipertensão, logo fomos saindo do prédio e eu já estava no meu terceiro copo descartável de água. No momento de jogá-lo fora me veio a cabeça todo o problema ambiental que tanto se fala hoje em dia, confesso até ter sentido um pouco de culpa por não ter guardado o primeiro copo que peguei pela manhã ao invés de usar outros dois. Mas a culpa logo passou, pois definitivamente não tive tempo para pensar aquilo durante toda a manhã e um pensamento mais intenso veio em seguida: Se o planeta vai ou não ser salvo no futuro eu ainda não sei, mas definitivamente a humanidade já traçou seu rumo para a decadência. Angústia é essa a palavra...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pensamentos de uma segunda-feira incomum (parte 1)

Angustia, era essa a palavra. Estava guardando o troco do taxi na carteira, ela já havia saído do carro e caminhava lentamente em direção ao pronto socorro, joguei a carteira na mochila e logo fui saindo. Dei-lhe o braço e, a passos curtos, fomos caminhando juntos, subindo a pequena rampa que dava acesso ao hospital. Sua respiração ofegante e sofrida, a dor que transparecia em sua face, o olhar de alguém cujo medo e a ansiedade haviam tomado o corpo, sinais de uma sina que, simplesmente por estar ao lado dela, eu partilhava um pouco de seu peso: Um arrepio que parecia gritar dentro de mim, mas que não tinha tempo para transparecer. Chegamos ao pronto socorro, àquela hora vazio, com apenas uma pessoa a espera no balcão, já providenciei todos os documentos para o atendimento. Mas como todas as ilusões, essa não poderia ter sido menos fugaz. Tão logo ela estava sentada na fila de espera, o atendente do balcão e o segurança do corredor onde ficavam os consultórios nada puderam me oferecer além da boa vontade e educação de providenciar a papelada para o atendimento. Para eles de nada adiantava a pressa, pois a realidade dos hospitais públicos brasileiros lhes havia ensinado uma importante lição: a vida, mesmo em seus momentos mais angustiantes, sempre pode esperar mais um pouco. O único médico disponível estava (a um bom tempo) atendendo um senhor de idade, enquanto os enfermeiros trocavam de turno (eram 6:30 da manhã e o próximo turno começava só as 7). A essa hora já não conseguia esconder a ansiedade: a todos que apareciam pedia uma ajuda, uma explicação que desse ao menos uma esperança de que ela fosse prontamente atendida. Infelizmente fui me dando conta de que não se tratava de má vontade ou falta de eficiência por parte de ninguém, era a realidade da saúde pública que aparecia na frente do meu nariz, com seu imperativo sórdido “senta e aguarda”.

A cada suspiro dela o tempo parecia correr mais devagar, como se a vida desse sua última dose de piedade, prolongando a duração de uma pessoa que, àquela altura, parecia traçar seu rumo derradeiro. Enquanto isso tentava eu fazer o que minha habilidade médica de estudante de jornalismo permitia, procurando acalmá-la e buscando um copo descartável para dar-lhe um pouco de água. Palavras, quase que hipócritas, saltavam da minha boca, falando de tranqüilidade enquanto meu coração (também) parecia escapar a garganta. Eis que a porta do consultório abre e, junto à vontade de levá-la ao atendimento o mais rápido possível vem um susto...

A maca saía da sala e, junto dela, um corpo a primeira vista moribundo. Um senhor de idade, com os olhos mal abertos, a boca e o corpo imóveis transparecendo a dor de alguém que mais se parecia um objeto à espera de sua destinação final. A pressa que me impulsionava não foi suficiente para que a dramática cena passasse despercebida. Durante toda a manhã a imagem me perseguiria e, por mais que tentasse digerí-la uma ânsia me incomodava. Recusava-me a aceitar a desumana condição daquela figura que, como descobri mais tarde, vinha do interior e estava desde as 3 da manhã a espera de atendimento.

Passada (ou não) a cena, conseguimos finalmente a atenção do médico. No consultório ele fazia perguntas sobre a dor no peito, a falta de ar, a duração dos sintomas (que começaram na madrugada) e os medicamentos controlados que comprovadamente já não surtiam efeito nenhum. “Não importa a intensidade da dor, só o fato dela existir é perigoso” explicava o doutor. Diagnóstico feito e prescrição em mãos, a situação finalmente parecia encaminhada, novamente pura ilusão. O turno da enfermagem não havia começado e na área de medicação, que ficava na frente do consultório, viam-se duas enfermeiras conversando, ainda sem o uniforme. Sua dor era tanta que, esperar o atendimento chegar sequer foi cogitado e logo entramos na sala de medicação para que ela pudesse assentar em uma das poucas cadeiras ali presentes. Tamanha “ilegalidade” (não podíamos entrar ali sem dar a prescrição à enfermeira, e não era permitido acompanhante na sala) não surtiu efeito e a equipe de enfermeiras que ainda não havia começado seu turno, conversava indiferente, como se a cena fosse corriqueira. Novamente a lição que o atendente e o guarda já indicavam se fazia válida.

Àquela hora os parentes do idoso, que aguardava do lado de fora da sala (pois a maca iria atrapalhar a entrada e saída das pessoas à pequena sala de enfermaria), reclamavam que o motorista do ônibus que os trouxera até lá estava querendo partir para o interior. “Ele não é louco de fazer isso, ele tem que esperar a gente para voltar” exclamava um dos parentes. Além da família surge uma mãe com seu filho deficiente mental aumentando ainda mais a ansiedade por atendimento na porta da sala, nada que interrompesse o diálogo das enfermeiras (ainda sem uniforme) à espera do horário. Eis que surge uma enfermeira que, mesmo seu turno tendo chegado ao fim, logo pegou a prescrição e foi me orientando sobre os comprimidos que eu teria de dar a ela. Eu com todos meus conhecimentos jornalísticos tive que assumir a tarefa, diante do contingente de enfermeiras a disposição. Enquanto ela perguntava com medo sobre os riscos de se misturar os medicamentos, a forma de ingerir cada um, a enfermeira educadamente ia respondendo e dando as orientações. Àquela altura já fui buscar o segundo copo descartável para dar a ela os medicamentos junto com água. Ao terminar de ingerir os cerca de 7 comprimidos (não me recordo agora o número) o milagre do conhecimento humano -quando utilizado em prol da vida- se fez e diante dos meus olhos o alivio de seu corpo, quase curado, transparecia. Mas nossa jornada estava apenas começando...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Palavras desapercebidas...

Diante do papel,
sentado na escrivaninha
um mundo de pensamento fugazes
girando na mente,
enquanto uma imagem
lá tão distante,
balança os alicerces,
de um mundo a cair...

um olhar que reluz,
e se quer distante,
tão quanto próximo e errante,
palavras que destoam
o tom sereno da vida,
só para lembrar,
que quanto mais provocante o sonho,
maior a vontade de sonhar!

O malditas sensações!
de inoportunismo latente,
enquanto o esforço do escritor
se esvai diante do papel
à procura da almejada síntese...

mas...

qual sonho?
qual arte?
qual estética há de se sintetizar?
se as palavras a serem ditas
não mais que passaram desapercebidas...

muitas perguntas,
para uma certeza,
que a mais amarga das dores
já morreu arrependida!
deixando então o escritor
diante de sua maior sina...

poder ver a imagem que mais procura,
mais almeja, mais lhe provoca,
sem contudo poder dizer
as palavras que outrora
passaram desapercebidas!